"O PS e Carneiro foram responsáveis por quebra de segurança"

Rui Armindo Freitas, secretário de Estado adjunto da Presidência com a pasta da Imigração, não hesita em responsabilizar o PS e o seu futuro secretário-geral, José Luís Carneiro, por uma quebra de segurança alegadamente provocada pela emissão de 120 mil autorizações de residência para imigrantes sem a devida verificação de cadastro criminal. Essa foi apenas uma das situações de “caos” nos fluxos migratórios que o Governo continua a dizer que herdou do Executivo de António Costa — no qual José Luís Carneiro foi ministro da Administração Interna.
Numa entrevista ao podcast “Justiça Cega” da Rádio Observador, concedida no âmbito das novas propostas de regular de imigração aprovadas pelo Conselho de Ministros na última segunda-feira, Rui Armindo Freitas não esclarece se o Governo apoia a Comissão Parlamentar de Inquérito à atribuição de nacionalidade e títulos de residência nos últimos 10 anos que o Chega quer promover, mas critica, sempre que pode, o passado do PS no tema da imigração.
Seja como for, o secretário de Estado Adjunto de António Leitão Amaro pede responsabilidade aos partidos da oposição no momento de analisarem as novas propostas do Governo para agravar os requisitos de atribuição da nacionalidade portuguesa, para restringir os agrupamentos familiares e regular os fluxos migratórios com origem nos países da Comunidade de Países de Língua Oficial Portuguesa — que, contudo, continuam a ser os preferenciais. Estas e outras medidas são explicadas em pormenor por Rui Armindo Freitas, que revelou também que os imigrantes em Portugal já são 1 milhão e 600 mil: “Mitterrand falava dos 15% da tolerância na integração. É por aí que nós estamos.”
[Veja aqui a entrevista completa a Rui Armindo Freitas:]
O Chega diz que quer fazer uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) potestativa para investigar atribuição de nacionalidade e títulos de residência. Deduz-se que o foco da investigação sejam os governos de António Costa entre 2015 e 2023. Como é que o Governo olha para esta CPI? É uma matéria de apreciação parlamentar. Obviamente que, da nossa parte, o escrutínio será sempre bem-vindo porque temos plena consciência…
Não incidirá sobre vós, incidirá sobre o Partido Socialista. Alegadamente, será sobre todo um período. Sabemos exatamente aquilo que tivemos de fazer, as medidas de urgência que tivemos de tomar, sempre com todo o rigor, atendendo sempre às questões de segurança nacional — que, muitas delas, foram colocadas em causa e nós já o dissemos. Tivemos 120 mil autorizações de residência emitidas sem verificação de registo criminal. Isso foi uma situação grave que ocorreu em Portugal.
Isso é um exemplo perfeito de como é necessário fazer uma investigação parlamentar para conhecer melhor as responsabilidades de quem autorizou isso? Se assim os senhores deputados entenderem, será. Contudo, nós, eu e o senhor ministro da Presidência [António Leitão Amaro], já falámos sobre essa situação mais do que uma vez, que foi de extraordinária gravidade…
É da responsabilidade do PS? Exatamente, sem dúvida.
E do futuro secretário-geral do Partido Socialista, José Luís Carneiro? Também.
E até da eurodeputada Ana Catarina Mendes também? De quem tinha a responsabilidade sobre a pasta que seria partilhada na altura.
Então posso retirar a conclusão de que esta CPI é bem vista pelo Governo? Não disse isso. As CPIs são sempre da vontade parlamentar e o que a maioria parlamentar para entender, na aprovação de uma CPI ou não, o Governo só tem de aceitar aquilo que o Parlamento decide.
O seu sorriso diz tudo. [Silêncio]
“Não podemos acolher todos os imigrantes, a todo o tempo. Isso é humanismo”O novo pacote do Governo sobre imigração tem por objetivo regular os fluxos migratórios e dar maior dignidade a quem chega ao nosso país e que permanece. Uma das mudanças passa por restringir o agrupamento familiar. Um acréscimo de exigência pode criar maior instabilidade a quem já reside no nosso país por ter os seus familiares diretos longe? O reagrupamento familiar é um direito consagrado na União Europeia. Ou seja, nenhum de nós vê com bons olhos uma limitação a algo que sente como natural, que é uma família estar junta. Contudo, há momentos e momentos na sociedade em que o pragmatismo tem de ganhar um lugar para que possamos criar as condições para que aqueles que procuraram Portugal possam ter uma vida melhor, dentro daquilo que são as regras da União Europeia para acederem ao reagrupamento familiar. O que estamos agora a propor é um mínimo de residência legal de dois anos — o que está conforme a diretiva europeia.
Pode dizer-se que o reagrupamento familiar é uma obrigação da União Europeia? É um direito consagrado na União Europeia. Quando há forças políticas que dizem “suspenda-se” [o reagrupamento familiar]…
Está a referir-se ao partido Chega. … bom, essa suspensão não está sequer em cima da mesa porque nós transpusemos essa diretiva. Subscrevendo essa diretiva, essa é a legislação nacional, logo tem de ser cumprida. Queremos restringir o acesso ao reagrupamento familiar precisamente por dois motivos: porque tivemos uma explosão demográfica e não podemos receber todos a todo o tempo, nas condições que for. A nossa política é humanista porque queremos garantir condições a quem vem. Há regras que restringimos agora porque a capacidade da nossa sociedade também é limitada para a integração.
"Queremos restringir o acesso ao reagrupamento familiar precisamente por dois motivos: porque tivemos uma explosão demográfica e não podemos receber todos, a todo o tempo, nas condições que for. A nossa política é humanista porque queremos garantir condições a quem vem. Há regras que restringimos agora porque a capacidade da nossa sociedade também é limitada para a integração."
Uma dessas regras é passar a ser necessário ter dois anos de residência legal para reagrupar a família. O aumento desse prazo tem por objetivo impedir decisões judiciais no sentido do reagrupamento? Não. O objetivo é exatamente aquele que está plasmado agora nesta proposta, que é dizer: quem cá está em Portugal a residir há dois anos — ou seja, já está integrado no mercado de trabalho, já tem uma vida constante do ponto de vista profissional, uma residência ininterrupta em território nacional — aí, sim, tem acesso a essa capacidade de reagrupar a sua família. O que era permitido era, a todo o tempo, sem qualquer tipo de limitação, fazer o reagrupamento sem olhar sequer àquela que seria a capacidade do país para integrar quem cá chegava. Nós queremos restringir também para dar dignidade a quem está e segurança no sistema migratório para todos aqueles que são os cidadãos nacionais. Esta é mais uma peça de uma grande reforma que foi iniciada em junho do ano passado, e o objetivo é precisamente esse, restringir e, quando acontecer, que aconteça com dignidade.
O Governo também quer alterar a lei da nacionalidade. O prazo mínimo de residência para a obtenção da nacionalidade portuguesa passa de 5 para 7 ou 10 anos, conforme os casos. A lei aplica-se já aos atuais residentes — que estejam cá, por exemplo, há 4 anos e 10 meses — ou o contador é colocado a zero mesmo para quem já reside em Portugal? Quem, ao dia 19 de junho — que foi quando foi gerada a expectativa desta alteração — tivesse cumprido os requisitos materiais e submetido o seu pedido, naturalmente que não é abrangido por esta alteração. Já outros cidadãos que, até a essa altura, não tenha apresentado o respetivo pedido [de obtenção de nacionalidade portuguesa], aí, sim, já se aplica a lei a partir de 19 de junho.
Portanto, neste último caso, o contador fica a zero e aplica-se o prazo de 7 ou 10 anos… Exatamente.
“A retirada da nacionalidade por decisão de um tribunal judicial respeita a Constituição”Está prevista a perda da nacionalidade sob a forma de sanção acessória em processo criminal para ilícitos de elevada gravidade com penas iguais ou superiores a 5 anos. Houve várias críticas de constitucionalistas, mais ligados à esquerda, alegando que essa medida é inconstitucional, porque viola o princípio da dignidade humana e associa a imigração à criminalidade. O Governo está confiante de que esta proposta passe no crivo do Tribunal Constitucional? Naturalmente que sim. Esta proposta de alteração da lei da nacionalidade obrigou a um estudo e uma análise que nos deu um grau de conforto para podermos avançar com aquilo que entendemos ser uma boa medida. Não estamos a falar de uma sanção automática de perda de nacionalidade. O que propomos é que, durante um período de 10 anos depois de concedida a nacionalidade, se for cometido um crime que é sancionado com pena de prisão efetiva de 5 anos, pode um juiz decidir pela retirada da nacionalidade. É uma decisão de um tribunal judicial.
Acredita que isso faz com que a medida seja constitucional? Exatamente, é assim o nosso entendimento.

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR
Mas consegue compreender as razões das críticas, nomeadamente de constitucionalistas, que alegam que esta matéria pode implicar uma associação entre imigração e criminalidade? Não é disso que se trata. O que se trata é que nós falamos de 10 anos para consolidar a nacionalidade. Não, é naturalmente, fazer qualquer tipo de associação… lá porque alguém pediu a nacionalidade, não quer dizer que vá cometer um crime no período de 10 anos subsequente a ter pedido essa nacionalidade… Não há nenhum tipo de associação. É algo que fica previsto para crimes muito bem tipificados: estamos a falar de crimes contra o Estado, mas também de crimes contra as pessoas. E estamos a falar também de uma questão de penas com bastante gravidade [cinco anos de prisão], naquilo que é a tradição penal portuguesa.
Vamos à questão das expulsões de imigrantes ilegais — uma questão de que o ministro António Leitão Amaro tem falado muito desde 2024 porque os números de expulsões são residuais. O Governo quer que os cidadãos que estejam em situação irregular sejam expulsos do país, caso não reúnam condições para se regularizarem. E, nesse sentido, anunciou a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras no âmbito da PSP. Caiu a ideia de criar secções de competência especializada em imigração nos tribunais administrativos, de forma a tornar os processos de expulsão mais eficientes? Não tem uma coisa que ver com a outra. Essa referência [à criação de secções especializadas nos tribunais administrativos] tinha que ver com um plano de ação para as migrações numa fase inicial, em que prevíamos uma série de ferramentas para a situação caótica que herdámos em 2024, desde logo sem sabermos exatamente quantas pessoas estariam em Portugal em situação ilegal e em processo de regularização. A questão das expulsões — e é bom que as pessoas percebam o que se passa no dia de hoje — é que Portugal não tem uma capacidade para o fazer. A AIMA, desde logo, não tem capacidade de fiscalização, porque não é um órgão de polícia, é um órgão administrativo. Por isso é que precisamos da Unidade de Estrangeiros e Fronteiras, precisamos de uma polícia que possa controlar fronteiras, fiscalizar a permanência em território nacional e proceder ao afastamento, ao retorno, sempre que se justificar.
O Governo entende, assim, que os Tribunais Administrativos têm capacidade para tratar de processos quando houver reclamações ou impugnações… Os processos decorrerão normalmente, mas também há inovações que nós queremos para o processo de afastamento. Queremos um processo mais rápido, e isso vai decorrer no âmbito do plano nacional para a implementação do Pacto da União Europeia para as Migrações e Asilo.
Mais rápido como? Queremos cortar etapas. Para que se perceba: o que existe hoje é uma notificação de abandono voluntário — que é convidar alguém a abandonar. Nós queremos ultrapassar essa fase e passar ao afastamento coercivo, logo que se justifique, sem sermos obrigados a notificar para o abandono voluntário. Basicamente, dizer: “Olhe, tem de sair.”
"Queremos cortar etapas [no processo de expulsão do país]. O que existe hoje é uma notificação de abandono voluntário — que é convidar alguém a abandonar. Nós queremos ultrapassar essa fase e passar ao afastamento coercivo, logo que se justifique, sem sermos obrigados a notificar para o abandono voluntário. Basicamente, dizer: 'Olhe, tem de sair'."
Mas esse abandono coercivo pode ser impugnado judicialmente? Poderá ser, com prazos muito mais comprimidos do que ao dia de hoje.
“O SEF foi extinto de forma totalmente irresponsável”Esta Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras parece uma cópia, em certa medida, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sendo que os ex-inspetores do SEF foram incorporados na Polícia Judiciária (PJ). Duas perguntas, numa só: a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da PSP vai ganhar competências de investigação criminal que estão hoje na Judiciária? Não existirá nenhuma absorção de competências da PJ. Aquilo que nós precisamos que venha a ser a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras é controlo das fronteiras, fiscalização de permanência e retorno — sem que o retorno tenha de estar na AIMA, depois passe para outra entidade e se entre num próprio calvário administrativo para proceder a um retorno que não se compadece com aquilo que são as necessidades ao dia de hoje do nosso país para um afastamento coercivo.
A extinção do SEF foi uma perda de tempo — isso parece um dado unânime. A extinção do SEF daria para horas de discussão, porque, de facto, foi extinto de uma forma totalmente irresponsável. Mais do que isso: colocou em causa décadas de conhecimento que aqueles inspetores e aquela força de polícia tinham sobre aquilo que era o controlo de fronteira, a fiscalização, o controlo de documentos de viagem, a própria qualidade dos documentos de viagem… Existia um conhecimento que se perdeu. O SEF também tinha a área de integração, que acumulava com o Alto Comissariado para as Migrações — que também foi extinto e do qual pouco se fala. No fundo, a inexistência de políticas de migração também tornou muito difícil a integração nesta vaga brutal que tivemos de migração para Portugal.
"Não existirá nenhuma absorção de competências da PJ. Aquilo que precisamos que venha a ser a Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras da PSP é controlo das fronteiras, fiscalização de permanência e retorno — sem que o retorno tenha de estar na AIMA."
Acha que ainda está muito por contar sobre a responsabilidade do José Luís Carneiro sobre essa matéria, sobre essa extinção do SEF? Acho que estará por contar muita responsabilidade de todos os intervenientes. Não queria especificar nenhum, mas, contudo, acho que aquilo que aconteceu com a extinção do SEF… de bom, pouco trouxe.
O primeiro Governo Montenegro inaugurou o tema da construção dos centros de detenção para reter imigrantes que estejam em situação ilegal e que aguardam uma decisão judicial para permanência ou expulsão. O primeiro centro de detenção já tem data para entrar em funcionamento? Sim. Antes de mais, uma explicação muito breve, para que as pessoas percebam: quando é detetado um imigrante em situação ilegal, só pode ser detido nestes centros de detenção que se chamam CITES — Centros de Instalação Temporária. Não os tendo, não os podemos deter. Ou seja, Portugal, ao dia de hoje, tem cerca de 60 vagas, todas elas ocupadas, neste tipo de instalação. E necessitamos de mil vagas. No ano passado iniciámos uma corrida contra o tempo para lançar concursos de construção de infraestruturas para as primeiras 600 vagas. Essas instalações terão de ficar prontas ao longo dos próximos meses — diria que durante o ano de 2026.
Tem alguma data concreta para o início do funcionamento do primeiro centro? A partir do segundo semestre de 2026.
Depois dos processos relacionados com as manifestações de interesse, coloca-se a questão das renovações da autorização de residência, tendo sido prolongado o prazo destas autorizações até 15 de outubro. Como será tal processo de renovação? Bom, da forma como colocou o tratamento das manifestações de interesse, até parece fácil. É verdade que estão tratadas, mas, mais uma vez, eu tenho de fazer aqui uma explicação. Tratava-se de 440 mil processos. Nós, para resolvermos 440 mil processos — e termos realizado até ao dia de hoje, na estrutura de missão, não só com a manifestação de interesse, mas também mais de 500 mil atendimentos presenciais —, conseguimos fazer com que a AIMA, que atendia 800 pessoas por dia, de repente conseguisse ter capacidade para atender 6 mil. Foi uma operação enorme para trazer segurança a um sistema de migração que, durante algum tempo, não teve sequer capacidade para registar os dados biométricos ou verificar os registos criminais.
"Quando é detetado um imigrante em situação ilegal, só pode ser detido nestes centros de detenção que se chamam CITES — Centros de Instalação Temporária. Não os tendo, não os podemos deter. Ou seja, Portugal, ao dia de hoje, tem cerca de 60 vagas, todas elas ocupadas, neste tipo de instalação. E necessitamos de mil vagas."
E é uma capacidade que vai passar agora para este processo de renovação da autorização de residência? A estrutura de missão viu a sua vida estendida até ao final do ano, porque já prevíamos que iríamos introduzir esta renovação de documentos a todos os cidadãos que têm documentos caducados e que vêm a ver — de forma administrativa ou por decreto-lei — estendida a validade desde 2020. É uma situação que tem de terminar e que vai terminar.
Esse processo de renovação vai usar essa estrutura também para acelerar esses processos? Vai usar essa estrutura. Irá, mais uma vez, fazer o atendimento, a instrução, chamar as pessoas, tudo… As comunidades de imigrantes que foram clientes da estrutura de admissão, muitas delas têm nas suas redes de amigos, sociais, a capacidade de informar sobre a forma como se vai processar, porque o processamento vai ser muito idêntico àquele. Sendo que, aqui, estamos a falar de um processo que é ligeiramente mais rápido, porque o registo criminal do país de origem, no caso da renovação, já foi verificado na primeira emissão.
“Nunca ouvi o Chega a propor o fim da manifestação de interesse”Os partidos à esquerda e os comentadores, além das associações de defesa de imigrantes, têm falado de uma “cheguização” do PSD — uma nova palavra do dicionário político — por defender medidas mais duras para o controlo da imigração. O Governo conta mais com o Chega ou com o Partido Socialista para fazer passar este pacote de medidas? O Governo conta com a responsabilidade de todos, acima de tudo. O Governo pediu, no ano passado, a Unidade de Estrangeiros e Fronteiras e foi votada contra por dois partidos: um à sua direita [Chega] e outro à sua esquerda [PS].
E o PS parece que passou a acompanhar o Governo na questão migratória. O PS mudou de posição durante a campanha. Deu uma cambalhota ali por altura de dezembro, reconheceu que nem tudo funcionou bem na imigração. O próprio Chega tenta, às vezes, usar a desinformação para promover instintos menos positivos na comunidade. Num tema como a imigração, que é muito sensível e que põe em causa a coesão social, os políticos devem exercer sempre a sua capacidade de contraditar, mas com sentido de responsabilidade e com a verdade. Não adianta querermos receber as pessoas todas de braços abertos em Portugal, se não tivermos capacidade para as receber. Mais do que isso: temos de garantir que os cidadãos confiem no sistema migratório, para que possam acolher bem aqueles que possam ter diferenças de religião e de cor de pele. Porque sabem que quem cá está cumpre as regras de um Estado de Direito democrático, que é o nosso país.
"Não adianta querermos receber as pessoas todas de braços abertos em Portugal, se não tivermos capacidade para as receber. Mais do que isso: temos de garantir que os cidadãos confiem no sistema migratório, para que possam acolher bem aqueles que possam ter diferenças de religião e de cor de pele. Porque sabem que quem cá está cumpre com as regras de um Estado de Direito democrático, que é o nosso país."
Vou insistir na pergunta. O PS já deu um primeiro parecer inicial negativo às alterações anunciadas pelo Governo, já o Chega parece estar mais satisfeito com as suas propostas. Tendo em conta estas posições, o Governo vai contar mais com o Chega do que com o PS? Estas medidas serão alvo de um intenso debate parlamentar.
E o Governo está disponível para limá-las naquilo que for necessário? Com certeza que a responsabilidade será aquilo que vai prevalecer no debate parlamentar, porque estas medidas são necessárias e urgentes para que possamos ter um país mais equilibrado no que toca à imigração. O Governo tem liderado a reforma do sistema migratório. Nós terminámos com a manifestação de interesse e eu nunca ouvi o Chega a propor o fim da manifestação de interesse, que era a verdadeira porta escancarada. O Governo encontrou a solução porque está do lado da inovação e insta todos os partidos a terem a mesma responsabilidade de estarem ao lado destas medidas.
Portanto, não há aqui grande margem do Governo para fazer grandes alterações àquilo que já foi a proposta que apresentaram esta semana? Todos nós temos sempre margem, se for para melhorar. Contudo, é como lhe digo: nós temos liderado esta discussão e convidamos todos quantos sejam responsáveis a juntar-se a nós.
“A CPLP é um espaço preferencial de circulação pela facilidade da integração, mas queremos regular esse canal”O Executivo quer eliminar a possibilidade de obter a autorização CPLP com vistos de turismo ou isenção de visto. E passam a ter verificação de segurança no Sistema de Segurança Interna. Duas perguntas numa só: o que significa esta verificação e estas medidas resultam de exigências da União Europeia? A isenção de visto aplica-se a dois países do espaço CPLP: Brasil e Timor-Leste. O que acontecia é que, de facto, existia um entendimento de que qualquer pessoa oriunda do espaço CPLP com isenção de visto, quando entrasse em território nacional, podia pedir uma autorização de residência.
No caso dos cidadãos com origem brasileira, isso tem um impacto muito forte, tendo em conta o peso da imigração daquele país. Sim. Nós queremos que venham todos os cidadãos quantos saibamos aquilo que vêm fazer para o nosso país, sejam das origens que forem, sendo certo que nós privilegiamos a CPLP. A CPLP, ao dia de hoje, é um espaço preferencial de circulação, desde logo porque há uma facilidade de integração pela língua. Contudo, falamos sempre de regular esse canal CPLP, porque não existia uma forma de controlo na entrada de todos quantos tinham isenção de visto. É esta a alteração.
Ou seja, passa a haver esse maior controlo e é isso que significa esta verificação. Tal como já existe para os outros países de espaço CPLP.
"Queremos que venham todos os cidadãos quantos saibamos aquilo que vêm fazer para o nosso país, sejam das origens que forem, sendo certo que privilegiamos a CPLP. A CPLP, ao dia de hoje, é um espaço preferencial de circulação, desde logo porque há uma facilidade de integração pela língua. Contudo, falamos sempre de regular esse canal CPLP, porque não existia uma forma de controlo na entrada de todos quantos tinham isenção de visto."
O ministro António Leitão Amaro disse, na conferência de imprensa do Conselho de Ministros que aprovou este pacote, que as empresas terão de se adaptar a estas novas regras. Tendo em conta que vamos passar por uma fase crucial da aplicação do PRR, nomeadamente em termos de aumento da oferta da habitação e de obras públicas, não teme que exista falta de mão de obra? Não temo porque, em devido tempo, começámos a preparar essa necessidade. O plano de migrações apresentado em junho de 2024 já previa que, ao fecharmos a porta escancarada, teríamos de ter as portas reguladas. O Partido Socialista demoliu o portão, deitou fora o portão e, sem portão, dizia que as coisas funcionavam. O que este Governo fez foi construir um portão que funciona à medida daquilo que são as nossas necessidades. Por isso, o protocolo de migração laboral regular que foi desenhado com as associações e as confederações patronais prevê que uma empresa possa sinalizar a necessidade e ter aquela mão de obra de que precisa e quando precisa. Isto são os corredores de migração laboral que agora podem ser inovadores em Portugal, mas os corredores de migração laboral são o desejável no contexto da imigração do ponto de vista internacional.
E as empresas estão a adaptar-se bem a essas regras? Estão a começar a adaptar-se. Naturalmente que, face à ausência anterior de regras, carece de um período de adaptação.
Há dados concretos que possa apresentar? Não lhe vou dar dados concretos. Mas, à medida que o tempo passa, está a aumentar o número de processos que temos junto da Direção-Geral dos Assuntos Consulares, de processos para recrutamento e para emissão de vistos ao abrigo do Protocolo de Migração Laboral. Mas vamos entrar agora numa nova fase que inclui a possibilidade das grandes empresas aderirem diretamente. E dar esta nota muito importante: há muitos que dizem: “E se for uma PME, não pode fazê-lo?” Pode, através da respetiva associação patronal. Porque é que fizemos esta distinção? Porque as grandes empresas têm recursos que lhes permitem ir diretamente e subscrever os termos de responsabilidade, que, de outra forma, com as pequenas e médias empresas não conseguiríamos fazer, mas que se consegue fazer através das associações.
"O Partido Socialista demoliu o portão, deitou fora o portão e, sem portão, dizia que as coisas funcionavam. O que este Governo fez foi construir um portão que funciona à medida daquilo que são as nossas necessidades. Por isso, o protocolo de migração laboral regular que foi desenhado com as associações e as confederações patronais prevê que uma empresa possa sinalizar a necessidade e ter aquela mão de obra de que precisa e quando precisa."
Ainda esta terça-feira, Armindo Monteiro, aqui no Contra-Corrente da Rádio Observador, dizia que este mecanismo ainda apresenta algumas falhas e que são necessários até mais incentivos para chamar esses trabalhadores, porque o salário mínimo, às vezes, não é suficiente. Bom, mas isso é um ajuste que a própria economia tem de fazer, porque nós, quando tínhamos a porta escancarada, muitas vezes tínhamos o trabalho precário. Não é isso que se deseja para a sociedade portuguesa. Queremos que a economia portuguesa tenha mais valor acrescentado, que se possa deslocar na cadeia de valor. A pressão salarial é ela mesma, também, um fator de inovação quando se introduz um novo custo. Também queremos que os produtos possam ser mais trabalhados, com mais valor acrescentado.
E queremos uma imigração que nos ajude nesse caminho. Também, também, porque não queremos uma imigração desregulada, ilegal, que nos perpetue num caminho de indignidade no trabalho e de falta de respeito pelos direitos dos trabalhadores. Não é o caso generalizado, mas a imigração ilegal presta-se a esses abusos.
“Governo não espera tomar medidas de emergência de controlo dos fluxos migratórios”O primeiro Governo da AD iniciou funções praticamente com o anúncio de que estavam 400 mil cidadãos estrangeiros em situação ilegal e com uma AIMA paralisada. Podemos dizer que, em 2025, teremos esse problema de 400 mil ilegais resolvido? Sim.
O primeiro-ministro Luís Montenegro referiu-se várias vezes à situação da Bélgica e da Suécia como sendo exemplos de imigração desregulada e em que há uma ligação entre o aumento da criminalidade e a falta de integração de uma parte da imigração. A Bélgica tem um peso de 17% de cidadãos com origem imigrante no total da população, enquanto que, na Suécia, esse peso é de cerca de 20%. No nosso caso, tal peso é de cerca de 10% — mas cresceu muito rapidamente nos últimos 10 anos. O objetivo último do Governo é impedir que Portugal chegue aos números da Bélgica e da Suécia? Os números em Portugal já são mais elevados, é 1 milhão e 600 mil sobre a nossa população. Mitterrand falava dos 15% da tolerância na integração [da imigração]. É por aí que nós estamos. É por isso que entendemos que este é um momento crucial de ganhar a luta da coesão social em Portugal. Para isso, é fundamental tudo aquilo que são medidas que temos tomado na área da integração, como a integração nas escolas, com os mediadores linguísticos e culturais, para acompanhar a integração dos filhos de cidadãos imigrantes nas escolas. Obviamente que as questões de exclusão social não são um exclusivo dos cidadãos imigrantes, são questões que decorrem de contextos de vulnerabilidade social. Naturalmente que uma imigração que não era regulada prestou-se a muito disso, prestou-se a fenómenos de marginalização, muitas vezes, que não são desejáveis numa sociedade coesa. É esse o desafio que temos em mãos e é esse o desafio que estamos a atender.
Tendo em conta precisamente isso que acabou de dizer sobre o número de tolerância, os tais 15%, se o número de imigrantes face à população total continuar a subir, o Governo admite restringir ainda mais a porta de entrada? Este Governo não espera tomar medidas de emergência porque aquelas que está a tomar permitirão conduzir os fluxos migratórios à coesão social necessária. É impossível que alguém se sinta integrado se não tem o fator mais básico, que é um documento que o habilita a estar de forma legal. Não quero quantificar, porque julgo que não é de quantificar… Não há um número. Podíamos ter um número mais baixo de percentagem de imigrantes vs população total e com um resultado pior de coesão social. As políticas de integração não se regem por bitolas de percentagem de população imigrante.
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